Algumas dicas para manter uma prática artística regular

Este ano, tive a sorte de ter finalmente um espaço de estúdio só para mim, pela primeira vez.

Antes, apenas tinha uma secretária no meu quarto, ou numa cave escura e fria, espaços de estúdio partilhados, uma mesa de cozinha ou as minhas pernas, quando não tinha tempo para desenhar em casa.

Não ter muito espaço ou tempo, precisar de preparar e limpar antes e depois de cada sessão, e lidar com a falta de barreiras entre o trabalho e o tempo livre, pode tornar a manutenção de uma prática artística regular um verdadeiro desafio, mas ensinou-me a tornar-me mais adaptável, resiliente e a transformar os desafios em saídas criativas.

Hoje, partilho o que os anos de manutenção de uma prática artística regular me ensinaram.

A preparação é chave

Na minha ânsia de começar a pintar ou a desenhar, ficava muitas vezes frustrada com o tempo que não passava a criar, mas depressa descobri que organizar-me não era apenas útil, era crucial – estar bem preparada não só poupa tempo, como torna uma prática artística regular muito menos stressante e mais fácil de manter a longo prazo.

“Qualquer tempo passado em preparação no início, é tempo que se ganha a dobrar mais tarde”

Isto pode significar passar algum tempo a organizar materiais, certificando-se de que está tudo em ordem e fácil de alcançar.

Pode também significar a preparação de um kit prático para a próxima sessão.

watercolor kit
Kit the aguarela

Por exemplo, se estás a planear passar algum tempo a pintar em breve, para além de ter os materiais em ordem, podes também colocá-los num estojo ou numa caixa – algo portátil que possas transportar e colocar perto do teu espaço de trabalho quando estiveres prestes a começar.

Criar arte não é apenas sobre o que se usa, mas também o que se quer cirar, por isso, antes de começar a trabalhar, também pode ser útil dedicar algum tempo a organizar referências, ou escolher um objecto de estudo.

Desta forma, no momento em que te sentares e disseres “vou começar”, não haverá nada no teu caminho – serás apenas tu e o teu tempo para criar.

Mantem os teus objectivos em mente

O que é que queres conseguir com a tua prática artística neste momento? Estás à procura de aprender a desenhar em geral? Precisas de praticar a figura humana ou aprender a usar a cor? Estás a tentar aprender um novo meio de arte ou uma nova técnica? Queres apenas passar algum tempo a desenhar as tuas personagens ou temas favoritos?

Independentemente do objetivo, a tua prática deve refletir o que queres fazer com o tempo que tens.

Se achas que precisas de melhorar a forma como desenhas as mãos, reúne algumas referências fotográficas, pega num caderno de esboços e lança um desafio – desenha apenas com uma esferográfica, ou sem borracha, desenha 5 mãos em 10 minutos, desenha a mão mais realista que conseguires usando a tua mão não-dominate, etc.

Por outro lado, se, tal como eu, estás a fazer a mudança de um suporte para outro, talvez queiras começar por selecionar referências fáceis, ou algumas que pareçam divertidas e interessantes, para não deixares de te divertir, enquanto inevitavelmente tropeças no caminho da aprendizagem.

Ou podes querer apenas usar a tua sessão de arte como um escape criativo – o que é um objetivo em si mesmo, e a tua prática e preparação também devem refletir isso. Mesmo assim, será benéfico escolher o que vais fazer na tua próxima sessão, os materiais que queres utilizar e as referências de que vais precisar, antes de começares a trabalhar.

Tal como na confeitaria ou na culinária, por vezes metade da diversão está no planeamento.

Cria tempo e espaço

A vida nem sempre facilita a concretização de projectos criativos. Nem sempre temos o tempo que gostaríamos, o espaço que gostaríamos, os materiais que gostaríamos ou as competências que gostaríamos de ter para estarmos onde queremos estar. Frustrante e desmotivante são apenas algumas palavras para o descrever, por isso esta é a parte que exige mais empenho.

Arranjar tempo e espaço para a arte, para mim, sempre foi mais um desafio mental do que físico. Quer fosse apenas a minha deslocação para o trabalho ou um dia inteiro no estúdio, tinha sempre de optar conscientemente por colocar a caneta no papel, aceitar que não seria perfeito e, mesmo assim, optar por fazê-lo.

Parece cansativo, mas pode ser facilitado estando bem preparado, sabendo o que se quer fazer e escolhendo um tempo e um espaço dedicados.

Saber que vais ter tempo todos os dias para te sentares no comboio significa que, mesmo que o desenho de hoje tenha sido terrível, podes tentar de novo amanhã. Se pudermos tirar todos os sábados de manhã para pintar, sabemos, e fazemos com que o mundo inteiro saiba, que este é o nosso tempo e que não seremos interrompidos – a máquina de lavar roupa pode esperar.

Trabalhar por turnos e outros acontecimentos da vida podem dificultar a manutenção de uma rotina, mas comprometeres-te a dedicar uma hora por semana, onde quer que seja, é mais do que suficiente. E não precisas de fazer promessas a ti próprie, basta apareceres, tão preparade quanto possível, e aproveitares o tempo que criaste para ti.

Adapta a tua prática

As limitações podem ser tuas amigas. Nem sempre parece assim, mas estar limitado no tempo, no espaço e no meio pode, na verdade, ajudar-te a sair da tua zona de conforto e a entrar em lugares realmente divertidos e interessantes.

Pode exigir algum investimento – por exemplo, se gostarias de trabalhar nas tuas capacidades de ilustração digital, mas não tens muito tempo, espaço ou privacidade em casa, podes ter de investir num tablet portátil que se adapte às tuas necessidades.

Pode exigir algumas concessões – podes querer pintar telas grandes, mas não tens espaço para trabalhar em formatos muito grandes, ou guardar molduras volumosas, por isso podes ter de começar mais pequeno, criar os teus quadros grandes como dípticos, trípticos e utilizar um papel resistente ou contraplacado fino como base, em vez da tela tradicional.

Pode exigir algumas soluções criativas – mas é nisso que somos especialistas, certo? E temos a sorte de ter uma quantidade absurda de acesso a conhecimento e materiais, mais do que alguma vez na história da humanidade, por isso, se há uma prática específica que queres iniciar, mas não tens as condições ideais para o fazer, alguma pesquisa online, ou contactar a tua loja de arte local e comunidade, pode ajudar a contornar alguns desafios – como usar canetas acrílicas em vez de tinta acrílica, se não puderes usar pincéis, usar livros ou um rolo de massa para imprimir as tuas linogravuras em papel, pastéis de óleo em vez de tinta de óleo, uma janela para traçar os teus desenhos em vez de uma mesa de luz.

Pode não ser o ideal, mas pode ser uma forma de continuar e, quem sabe, tropeçar em algo que vais adorar.

Diz a essa voz na tua cabeça 'que se dane'

Então, estás pronte – preparas-te tudo o que precisavas para começar a tua prática, sabes o que queres fazer, atribuíste o tempo e o espaço que podias gerir e adaptaste-te às tuas circunstâncias.

No entanto, pode haver uma voz irritante no fundo da tua cabeça que gosta de te dizer “não é bom o suficiente”.

Diz-lhe que se lixe.

Isso mesmo. Que se lixe!

Não vai ser perfeito, pode não ser o que sonhas-te, ou o que querias fazer num mundo ideal, pode não produzir os resultados que esperavas, ou pode parecer um passo atrás em relação ao que fazias antes, mas que se lixe.

Se há algo que descobri ao manter uma prática artística regular durante 15 anos, é que para fazer dessa prática uma maratona, em vez de um sprint, é preciso muita delicadeza, especialmente connosco próprios.

Pode ser necessário sair das redes sociais, para evitar comparações que possam estar a prejudicar-te, pode ser necessário estabelecer desafios mais fáceis, para que te sintas motivade e confiante de novo, pode ser necessário desenhar apenas o que te apetece e ignorar o que o mundo possa ter a dizer sobre isso, pode significar fazer uma pausa e, sem sombra de dúvida, levará tempo.

Por isso, seja o que for que te proponhas fazer a seguir, espero que o consigas fazer com gentileza e com um sentido de diversão, mesmo quando a vida te lança uma bola curva, e especialmente quando se torna complicado.

acrylic painting on round sketchbook
The Earth Ring, acrylic on paper, Ana V., 2024
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