O efeito aterrador da página em branco, que nos olha fixamente, incita à dúvida, traz à tona inseguranças e, possivelmente, até sentimentos de inadequação, é algo que todos os artistas experimentam pelo menos uma vez na vida (suspeito eu).
Admito que não foi um problema para mim durante muito tempo – comecei um hábito de desenhar num caderno muito cedo, longe das armadilhas de comparação das redes sociais, e desenhava quase todos os dias, o que me apetecia desenhar, quando me apetecia desenhar. Ainda estava a aprender, era uma principiante, e sabia-o, por isso, mesmo quando a minha arte ficava aquém do que eu queria, bastava virar a página e começar de novo.
À medida que o tempo passava e a vida se tornava mais complexa, a gestão do tempo tornou-se um desafio constante, bem como lidar com as expectativas externas que insistiam em entrar na minha atividade favorita.
Era apenas uma questão de tempo até que o medo de que o que eu me propusesse fazer não fosse perfeito.
Em 2019, estava a fazer banda desenhada, a trabalhar para uma empresa de animação e ainda tentava fazer algumas ilustrações à parte, quando tinha tempo. Inevitavelmente, a sobrecarga de trabalho fez-se sentir e desenvolvi a tenossinovite de De Quervain. Para evitar que o problema se agravasse ao ponto de ter de ser operado, tive de deixar o meu emprego, o meu trabalho, e fazer uma longa pausa na arte. Ainda assim, o estado dos meus tendões era suficientemente mau, e a minha mão nunca mais voltou a ter a mesma resistência de antes. Para poder continuar a fazer arte, tive de mudar a minha forma de trabalhar em quase todos os aspectos.
Anteriormente, desenhava sobretudo ilustrações altamente detalhadas a caneta, mas agora a pintura parece ser a única opção para trabalhar longas horas sem dores. Tenho muito pouca experiência com pintura tradicional, muito poucas referências de artistas que admiro nestas técnicas e sinto que não tenho um estilo de pintura pessoal.
Voltei a ser principiante, mas sem as vantagens que tinha quando comecei – o que significa que estou a conhecer muito bem a procrastinação perfeccionista.
Sei que não estou sozinha nesta situação, por isso pensei em partilhar os truques que tenho usado para a ultrapassar.
São simples, não são novos e não tenho a pretensão de os ter descoberto, mas talvez, hoje, o que tenho aprendido te possa ajudar a ultrapassar a ideia de que a tua arte tem de ser sempre óptima e perfeita para valer o teu tempo.
Establece um período de tempo
Se estiveres a lutar contra a motivação ou a falta confiança para começar qualquer tipo de projeto, definir um período de tempo para essa atividade e reservar tempo para isso no calendário é uma grande ajuda, mas principalmente se o definires como um período de tempo curto.
Em vez de te comprometeres a fazer uma sessão que dure uma tarde inteira, compromete-te a trabalhar apenas durante uma hora ou meia hora.
É muito mais fácil dizer “bem, se isto não correr bem, só me tomou uma hora do meu dia”, do que lidar com “se isto não correr bem, é uma tarde inteira que vou perder, e há muito mais que precisa de ser feito!”.
Mesmo que uma hora, meia hora, quinze minutos, pareça muito pouco tempo para fazer o que quer que seja, não importa – o que importa é ter começado. Depois de começado, pode acontecer teres vontade de continuar por mais tempo, ou parar antes.
Independentemente do tempo investido, haverá, pelo menos, mais uma linha ou pincelada nesse projecto, do que aquilo que lá estava antes, e todos os esforços contam.
Instead of making the compromise to have a session that lasts a whole afternoon, commit to working only for one hour, or half-an-hour.
It’s much easier to say “well if this doesn’t go well, it only took an hour of my day”, than to deal with “if this doesn’t go well, it’s a whole afternoon I’ll lose, and there’s so much more that needs to get done!”.
Even if one hour, half-an-hour, fifteen minutes, feel like a very short time to do anything in, it doesn’t matter – what matters is that it got you started. Once you get started, you may find you want to continue for longer, that the time frame you set was just enough, or stop before that time.
Regardless of how long you spent, you will end up with at least one more line or brush stroke than you started with.
Primeira sessão de 1h de um estudo em gouache, 2024
Define Objectivos Pequenos
Definiste o teu período de tempo, bloqueaste-o no teu calendário e tens esse tempo para criar o que quiseres. Isso não ajuda necessariamente quando não se tem a certeza do que se quer fazer, ou ainda se tem medo daquela implacável página em branco.
É neste ponto que definir objectivos pequenos e alcançáveis pode ajudar. E quando digo pequenos, quero dizer que os podes tornar minúsculos.
Em algumas sessões, quando a paralisia perfeccionista é particularmente acentuada, estabeleço objectivos tão pequenos como “sentar-me em frente à secretária” ou “abrir o caderno de esboços”.
Dar o primeiro passo na direção do meu objectivo nunca falhou em fazer a bola rolar e dar início às minhas sessões de trabalho.
Definir objectivos um pouco mais amplos também é importante, mas, mais uma vez, estes não precisam de ser enormes. Depois de dar o pequeno primeira passo, ter a ideia de que hoje podes apenas “desenhar o esboço geral da composição” ou “colorir um elemento da pintura”, vai dividir uma tarefa complexa em objectivos mais pequenos, e mais fáceis de alcançar, que te vão ajudar a assinalar progresso que já fizeste.
Torna-o fácil
Se só tiveres um curto espaço de tempo para a tua sessão de arte, não vais querer gastar o tempo que reservaste a organizar o teu espaço de trabalho, a procurar ferramentas ou a procurar a referência certa.
Assim que tiveres o teu bloco de tempo, dedica alguns minutos, sempre que puderes, à preparação da tua sessão de arte, antes de a iniciares.
Isto pode incluir arrumar a tua secretária, criar “kits” de materiais de arte pré-definidos que sabes que vais usar frequentemente, criar pastas para referências no teu telemóvel, computador ou Pinterest, ou qualquer outro tipo de preparação que aches que te vai poupar tempo e esforço mental.
Uma dica extra que aprendi com o artista Sueco Karl Martens, e que tenho usado com sucesso desde então, é tirar um pouco de tempo para me concentrar e traçar mentalmente os passos que penso que vou precisar para realizar um determinado estudo ou uma peça acabada – desta forma, já estou a treinar o meu cérebro para analisar o processo de trabalho, em vez de entrar em pânico com a complexidade do mesmo ou com o tempo que vai demorar a terminar.
Começa
“Não há plano que sobreviva ao contacto com o inimigo”, por isso, no final, nenhuma preparação pode dar o passo final por ti. Esse passo é respirar fundo e começar.
Começar sabendo que pode não ser perfeito, sabendo que pode acabar em frustração, que podes não ter tempo suficiente para fazer tanto como gostarias. Mas também é bom ter em mente que, assim que o primeiro passo minúsculo for dado (como abrir o caderno de desenho e desenhar um círculo), o resto muito provavelmente começará a fluir e, então, todo o medo, exaustão e hesitação desaparecerão, e serás apenas tu, a divertir-te, independentemente do resultado.
E independentemente do que o mundo fora do teu espaço de trabalho possa ter a dizer sobre isso. Todo o tempo que passas a criar alguma coisa, é tempo bem gasto, mesmo que acabe no lixo ou no fundo de uma gaveta – já tiraste os elementos mais importantes – prazer e experiência.
Sabe que podes desistir
E então, por que não tirar ainda mais pressão do acto de criar? Saber que se pode desistir de qualquer coisa, a qualquer altura, por qualquer razão, independentemente do tempo, esforço e dinheiro que se tenha investido nisso, e que não há nada errado com isso, é um alívio enorme.
No final do ano passado, fiz imensos investimentos na minha arte – comprei um cavalete, folhas de papel grandes e caras, e um conjunto de acrílicos, pincéis e meios de pintura. Tinha grandes planos e estava a tentar concretizá-los.
Até que me apercebi de que, apesar de gostar muito de fazer pequenos estudos em acrílico, fazer pinturas enormes não é para mim e que a minha vida é atualmente demasiado instável para guardar qualquer coisa que não possa levar numa mala.
Estudo em acrílico, 45 minutos, 2023
Projecto inacabado, A Íliad, acrílico em papel
Por isso, lidei com a vergonha, a culpa, a desilusão e, finalmente, desisti desse projeto.
O mundo não acabou, ainda estou a pintar, ainda posso usar esses materiais, cortar o papel em tamanhos mais pequenos e mais manejáveis e vender o que não vou poder usar.
Ainda é um pouco embaraçoso, mas podemos desistir e, por vezes, desistir de algo que não está a funcionar para nós é a única forma de abrir a porta para algo que funciona.
É mais fácil com companhia
It’s so much easier to get over certain art ruts when you have a group to practice with, even if only once in a while.
Joining a workshop (there are many free ones out there!), an association, a drink-and-draw, drawing with friends, or even starting a sketchbooking club, can really help feel more relaxed when practicing.
It doesn’t mean that you need to talk all the time, or even be drawing next to one another, but just committing, with someone else, to meet in one place, and draw for a set amount of time, will get your foot across that threshold, and spending time with other human beings, who share the same passions and fears as you, will definitively make you feel more comfortable and confident in the end.
Cogumelo não identificado
Esboços de cogumelos desenhados durante um workshop
Aconselho a fazer isto, sempre que possível, cara a cara, mas se não for possível, porque não online? Locais como o Discord, ou uma simples videochamada, podem dar origem a opções muito divertidas, como fazer uma viagem de sketchbook à volta de um videojogo, ou do Google Maps, e partilhar os resultados no final (e agora que escrevi isto, quero mesmo experimentar).
Acabado, não perfeito
Já alguma vez tiveste aquele momento em que acabaste algo, olhaste bem para o que fizeste, e odiaste? Afastas o teu trabalho com repugnância e, umas semanas mais tarde, voltas a olhar para aquilo e pensas “afinal, não é assim tão mau!”.
Dar a ti próprio um intervalo entre terminar algo e olhar para o mesmo com um olhar crítico é normalmente uma boa prática para evitar seres demasiado dure contigo mesme, e acabares por ficar desmotivade – celebra primeiro, olha e julga depois.
Independentemente de mudares de opinião sobre algo que criaste, acabaste de o fazer, fica melhor acabado do que perfeito.
A perfeição corre o risco de ficar na nossa mente para sempre, para evitar o risco de ficar aquém do que imaginámos, mas se ficar apenas na nossa mente, não pode ser partilhada ou vista, o tempo gasto nela não pode ser aproveitado e não se aprende nada.
Estudo em gouache, 2024
Por isso, tenta tentar chegar ao fim, não à perfeição, e diz-me se esta perspectiva te tem ajudado tanto como a mim!