Um Auto-retrato
É engraçado que me tenha proposto fazer um autorretrato com o único objetivo de ter um ícone para as redes sociais que correspondesse ao meu estilo atual, apenas para decidir que as redes sociais não são o local onde quero investir o meu tempo, e dar por mim a criar antes um blogue.
“A Artista e os seus Demónios” é um autorretrato com um nome muito pretensioso, feito apenas com o objetivo de me divertir.
Lutei muito para o começar – sabia que não queria fazer reproduções ou vendê-lo, e sabia que, em suma, não teria qualquer retorno, para além do prazer que teria com a sua realização. Logicamente, não queria perder muito tempo com este autorretrato, mas sem perder tempo com ele, não estaria a fazer nada que achasse divertido ou que valesse a pena.
Por isso, decidi dar a este autorretrato a mesma dedicação que daria a qualquer outro quadro.
O Sujeito
Havia muitos caminhos mais fáceis que este projeto poderia ter tomado, mas se fosse ser indulgente, seria do início ao fim.
A minha irmã é, entre muitas outras coisas, uma grande fã de história, e tendo sido uma reenactora histórica profissional, costureira e educadora, ainda tem alguns dos seus vestidos históricos guardados.
Para este retrato, pedi-lhe que me emprestasse um vestido da aristocracia do século XII, para que eu pudesse posar com ele, de uma forma muito historicamente imprecisa. Infelizmente, esqueci-me de pedir emprestado o toucado reticulado e tive de o acrescentar mais tarde.
Foi num dia quente de verão em que me sentei para tirar estas fotografias, com a minha melhor postura, lutando para posar, enquanto saltava de um lado para o outro, da câmara para a cadeira, para reiniciar o temporizador.
No final, houve apenas uma fotografia que tinha a luz certa, o ângulo certo, a postura e a expressão certas.
A Inspiração
Sempre adorei a arte medieval, renascentista e barroca, apesar de, durante muito tempo, ter escondido essas preferências e não as ter incluído na minha arte, com receio de que fossem interpretadas como fervor religioso.
Sempre tive dificuldade em explicar que o que mais gosto na arte destes períodos, especialmente na medieval, é a capacidade dos artistas para contar histórias através do detalhe, da iconografia, da distorção da perceção natural da profundidade para criar um sentido de ação ao estilo da “banda desenhada”, da expressão teatral das personagens, das camadas de simbolismo, da apreciação da natureza e das cores fortes e brilhantes. Para mim, a religião ou a crença nunca foram o ponto focal, mas sim as histórias em si.
Assim que fiz o acordo comigo mesmo de que iria finalmente ser honesta e aberta comigo mesma e com a minha arte, fazendo o que gostava sem me preocupar com a forma como iria ser vista, peguei em todas estas influências, juntamente com as minhas técnicas de pintura favoritas, e comecei uma pequena série de “ícones modernos“.
Neste mesmo estilo, quis fazer o meu autorretrato.
A Pintura
Por razões práticas, comecei a fazer os esboços para as minhas pinturas digitalmente.
Com composições tão complexas como estas, poupa-se não só tempo, mas também material, pois não tenho de fazer vários esboços, juntá-los, recomeçar quando a direção não é a que eu queria, apagar, pintar, voltar a pintar, tudo isto enquanto o papel acaba por ser usado e deitado fora. Prefiro muito mais desenhar tradicionalmente, com lápis sobre papel, mas acelera o processo se pegar no tablet. Quando o esboço está terminado, imprimo-o e uso uma janela para o traçar no papel onde será feita a pintura final.
Para este retrato, tal como para as pinturas de “ícones modernos” acima referidas, começo com aguarela para a figura principal, passando depois para guache para o fundo e para os pormenores da moldura, bem como para alguns dos pormenores ou personagens em primeiro plano.
A tinta acrílica dourada entra em cena para dar os últimos retoques metálicos nas molduras e decorações.
Devo admitir que me surpreendi muito com este projeto, pois foi a primeira vez, em muitos e muitos anos, que utilizei guache para uma paisagem deste tipo, e não estava à espera de conseguir a profundidade, a luz ou as texturas de forma adequada – talvez por não ter a certeza das minhas capacidades, ou por ainda ter o preconceito de que o guache é um tipo de tinta “menor”, que não se presta a trabalhos de grande beleza. Depois desta pintura, não podia discordar mais, e vou definitivamente trabalhar mais com guache no futuro.
Num arremedo de atrevimento, e para honrar os símbolos estranhos que tanto gosto na arte medieval, até o meu antigo logótipo foi colocado no centro inferior e no centro superior do quadro:
O retrato está terminado e guardado no meu escritório, à espera, talvez um dia, de encontrar uma parede de galeria discreta para se mostrar durante algum tempo, mas continuo a manter que não o vou vender, nem fazer reproduções (seria bizzaro demais).
Mantê-lo-ei como um lembrete de que sou capaz de fazer arte pela arte, que adoro fazer arte pela arte e que fazer por fazer não é uma perda de tempo nem de recursos.
É, pelo menos para mim, uma bela pintura, e isso, desta vez, vou deixar que valha apenas por esse seu valor intrinseco.
Fantástico